Quando viajamos para as cidades históricas de Minas Gerais como Ouro Preto, Mariana, Diamantina, entre outras, e visitamos suas igrejas, podemos notar que ali ainda estão marcados os locais onde as pessoas eram enterradas. Essa prática era muito comum em todo o Brasil Colonial. Na vila de Taubaté, os principais locais eram na Matriz de São Francisco das Chagas e no Convento de Santa Clara. Hoje reformadas, não deixaram vestígios desses locais dentro de suas igrejas. Mas nos testamentos, foram deixados registros desta prática e é sobre esses primeiros taubateanos enterrados no Convento de Santa Clara que falaremos hoje.

O primeiro deles chamava-se João Delgado de Escobar, falecido em 1676, dois anos depois no início da construção do Convento de Santa Clara. Em seu testamento pediu “Meu corpo será sepultado em o Convento de Santa Clara com o hábito de São Francisco. Levar-me-ão na tumba e me acompanhará o Reverendo Padre Vigário com as Cruzes que houverem e se pagará a esmola costumada.”  Sua família era formada por sertanistas e em 1698 seu filho Antonio Delgado de Escobar e familiares foram para as Minas, na ambição de minerar ouro.

José de Castilho foi o primeiro irmão da Ordem Terceira Franciscana, enterrado no Convento de Santa Clara, em 1684. Ele diz “ (…) meu corpo será sepultado em o Convento de Santa Clara, com o hábito de São Francisco onde sou irmão terceiro, com o acompanhamento costumado e com as Cruzes das Confrarias e o Guião do Santíssimo Sacramento e se pagará a esmola costumada.”

Segundo Francisco de Assis Carvalho Franco, José de Castilho foi “Bandeirante de São Paulo que tomou parte na expedição de Fernão Dias Paes, no descobrimento das esmeraldas, nas Minas Gerais. Teve o posto de capitão e ficou, por morte do governador das Esmeraldas, tomando conta do arraial de Itamarandiba, em 1681” (FRANCO, 1954, p.108)

Bartolomeu da Cunha Gago, outro conhecido bandeirante “que tomou parte na expedição de Fernão Dias Paes, ao encalço da Sabaraboçu, saída de São Paulo em 1674 e segundo alguns escritores foi o primeiro que nessa diligência cuidou de procurar ouro, tendo encontrado alguma porção em 1680. Foi casado com Maria Portes Del Rei, filha de João Portes Del Rei e faleceu em Taubaté em 1685, deixando geração.” (FRANCO,1954, p. 170). Seu testamento redigido no mesmo ano de sua morte descreve todo o cerimonial e o exato local onde queria ser enterrado:

Meu corpo será sepultado em o Convento da Gloriosa Santa Clara desta Vila, abaixo do arco da Capela Mor, junto ao altar de Nossa Senhora da Conceição, amortalhado com hábito do Glorioso Patriarca São Francisco e peço ao muito Reverendo Padre Vigário, por serviço de Deus, queira acompanhar meu corpo com a Cruz da Fábrica da Igreja e assim mais peço me acompanhe o meu corpo os irmãos da Confraria do Senhor de que sou Juiz este ano presente e assim mais os Irmãos da [ilegível] de que também sou irmão da Confraria de São Miguel com suas [Cruzes me acompanhará meu corpo] com todas as mais Cruzes que em esta Vila houver as quais se dará a esmola costumada; e peço ao muito Reverendo Padre Guardião que na sepultura que [rasurado] se queira acomodar que também sou benfeitor do Convento e se dará [es]mola acostumada do hábito.

Como último exemplo, citamos o testamento de Catarina Portes Del Rei, que fez seu testamento em 1686 e faleceu em 1687. Filha de João Portes Del Rei, “sertanista que explorou grandes trechos do vale do rio Paraíba, juntamente com seu genro Bartolomeu da Cunha Gago, antes de 1674, na pesquisa de minas” (FRANCO, 1954, p.140), e irmã de Tomé Portes Del Rei, “sertanista que descobriu as lavras do Rio das Mortes, nas Minas Gerais, em 1702, formando o arraial a que deu o nome de Santo Antonio.” (FRANCO, 1954, p.141). Foi um dos primeiro moradores a região onde hoje está a cidade de São João Del Rei, e considerado fundador por muitos estudiosos. Catarina pertencia, portanto, a uma família também de sertanistas. Em seu testamento está escrito:

Meu corpo será sepultado no Convento de Santa Clara amortalhado no hábito de [meu] Padre São Francisco e se lhe pagará a esmola costumada e será acompanhado com o Guião do Santíssimo Sacramento e as Cruzes das Confrarias desta Matriz e se pagaram as esmolas costumadas.

Esses são apenas alguns exemplos de testamentos que contém os pedidos de enterramento. E vemos por meio deles, que até na hora da morte o prestígio e poder eram evidenciados, pois o ato de se enterrar dentro das igrejas era dado somente para as famílias mais poderosas e abastadas. Além disso, acreditavam que se fossem enterrados dentro delas, considerados locais sagrados, ficariam mais próximos de Deus, facilitando sua entrada no Paraíso.

Referência Bibliográfica

FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de Bandeirantes e Sertanejos do Brasil. São Paulo: Comissão do V Centenário da Cidade de São Paulo, 1954.

 

Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.

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