Texto de Celio Moreira

Começou muito rápido. O céu tisnou e um vento cada vez mais forte começou a soprar as folhas secas na calçada, caídas do bouganville cujos ramos pendiam de um jardim em frente a nossa casa. “Ih, vem chuva grossa aí!” – falou o velhinho do Asilo São Vicente de Paulo, ao apertar o passo. Pudesse, e ele imitaria os pássaros que saíram em desabalada para seus ninhos. Chuva forte era motivo de grande preocupação em nossa casa e para todos os moradores no final da Rua Barão da Pedra Negra. Era ali e também no Bairro Chique que as águas subiam além da conta.  Os bueiros não davam vazão, as águas se avolumavam e, não raro, iam parar dentro das casas. A Prefeitura, diante dos reclamos, como sempre, fazia ouvidos moucos dando pouca importância ao fato.

Vista do Bairro Chique. Imagem de Tibor Jablonsky, do Acervo de Municípios do Brasil, IBGE.

Desta vez o tempo se mostrava mais que rancoroso e tratamos logo de colocar o “tampão” que se encaixava nos trilhos do portão voltado para a rua – genial invenção de papai visando a conter a invasão das águas.

A tarde virou noite e o vento zunia parecendo um furacão. Entramos rapidamente quando algumas telhas de casas vizinhas começaram a ser arrancadas pela força do vento e se estatelarem pela rua. Encontramos nossa mãe grudada num terço, sempre apavorada quando se tratava de tempestade acompanhada de vento e trovões. Balbuciava o nome de Santa Terezinha de quem era fervorosa devota.  E não era para menos! Contava repetidas vezes que após meu nascimento foi acometida de febre puerperal, mal que na época tirava a vida de muitas mulheres, pois a medicina ainda não dispunha de meios para contê-lo.

Febril, bastante debilitada, praticamente à beira da morte, mas invocando sempre o nome de sua protetora, eis que seu quarto, em dado momento, foi invadido por suave perfume de rosas. E a Santa estava ali, à sua frente, sorrindo e olhando para ela e para o berço onde eu estava. Acenou a cabeça afirmativamente quando mamãe perguntou se ia recuperar a saúde e desapareceu deixando atrás de si a leve fragrância das rosas.  Imediatamente, mamãe saiu da cama à procura de algo para comer, pois não se alimentava há vários dias. Estava curada!

Rua das Palmeiras alagada?
Composição sobre imagem de Tibor Jablonsky (do acervo IBGE) sobre imagem do centro de Curitiba do Acervo Cid Destefan (no site da Câmara Municipal de Curitiba)

 

Da mesma forma que a chuva foi embora perseguida pelo vento, para nossa alegria, fomos dar umas braçadas no grande lago que se formou na frente de nossa casa. A “leptospirose”, doença transmitida pela urina dos ratos, ainda ia esperar muito para merecer destaque. Também imagino que não corríamos nenhum risco, tendo em vista que a comunidade dos camundongos ainda não era poluída. Vivíamos na época em que as notícias caminhavam sem muito compromisso com o “furo de reportagem”. Palavra adotada pelos coleguinhas durante muito tempo e que costumam escapar até hoje, em plena era da comunicação.  Assim, fomos saber tempo depois, ou seja, no dia seguinte, que havia caído uma tromba d’água na cidade, precisamente no Alto de São Pedro, inundando a Praça do Mercado Municipal  e causando prejuízo a grande número de comerciantes.

Mas o que a gente queria mesmo ver era onde tinha caído a tal tromba d’água. Assim, amassando barro com os pés descalços, passamos pela Praça do Mercado e fomos direto para o Alto São Pedro. Não foi difícil encontrar o local. Pequena multidão já disputava melhor posição para admirar o enorme buraco produzido pela assustadora tromba que vinha das nuvens e que lá permaneceu até não sei quando.

 

Celio Moreira conhecido também como O Sombra, do Jornal de Vanguarda, é um dos grandes profissionais de comunicação da história do jornalismo nacional.